Com quem fica o seu filho pequeno?
Você é solteira? Quer ter filhos? Você é casada? Tem filhos? Com quem
fica a sua filha pequena? E se ela adoecer?
Se
você é mulher, eu diria que tem perto de 100% de chances de ter escutado alguma
dessas perguntas em um processo seletivo. Há muita gente que torce o nariz para
esse tipo de questionamento durante uma entrevista, alguns defendem dizendo que
é preciso conhecer o lado pessoal do candidato e outros até declaram, em
debates calorosos nas redes sociais, que é direito da empresa perguntar o que
quiser para o candidato.
Eu?
Bom, eu acho esse tipo de pergunta um absurdo imoral, um abuso com as
profissionais que precisam passar por esse tipo de situação e fruto de uma
legislação fraca que permite que um empregador faça (e pergunte) o que bem
entender para recrutar profissionais. Até temos algumas leis para evitar que
isso aconteça, mas na prática elas são ignoradas e entram para a categorias de
“leis que não pegaram”, algo comum em nosso país.
Em uma dessas
discussões calorosas que eu mencionei, um empresário alegou “precisar” conhecer
melhor a candidata e por isso era necessário perguntar sobre a vida pessoal.
Minha resposta para ele: sorte sua, e de muitas outras empresas que fazem isso,
de estar no Brasil.
Nos
Estados Unidos e em muitos outros países europeus, é expressamente proibido
fazer qualquer tipo de questionamento pessoal para o candidato. Não pode
perguntar idade, religião, orientação política, estado civil e, principalmente,
se tem filhos e qual a dinâmica da família. A ideia é proteger o profissional
de qualquer tipo de discriminação e as empresas podem ser processadas por isso
– e, de fato, muitas vezes são.
Eu faço essas perguntas porque
preciso conhecer melhor o candidato
A
desculpa mais comum para “ter” que fazer essas perguntas é a necessidade de
conhecer melhor o candidato. Se não for possível saber mais sobre ele, vamos
deixar de fora informação crucial para a tomada de decisão. Eu não consigo ver
qualquer sentido nessa alegação, e tenho muita experiência sobre o assunto.
Trabalho
em empresas americanas há 16 anos, já entrevistei e contratei literalmente
centenas de profissionais sem nunca ter feito esse tipo de pergunta. Nunca
mesmo. Temos treinamento pesado para não só garantir que essas perguntas não
sejam feitas, mas também orientar o candidato que não precisamos falar sobre
elas se ele trouxer as informações espontaneamente.
Sabe
que diferença isso fez para a qualidade dos profissionais que contratamos?
Nenhuma. Ao contrário, tenho orgulho de ter participado da contratação de times
incríveis, produtivos e dos melhores que eu tive o privilégio de trabalhar até
hoje. Se não submeter o candidato a esse tipo de questionamento pessoal fosse
empecilho para a contratação de bons profissionais, empresas como o Google,
Amazon, Netflix e outros lugares do sonho para se trabalhar não teriam os times
que têm.
Eu
até entendo o motivo de muita gente acreditar no mito de que é preciso invadir
a privacidade de uma pessoa para conhecê-la melhor antes de uma contratação,
mas, quando olhamos para lugares que não praticam isso, a ideia esfarela. Ela
não faz sentido algum.
Preconceito e assédio
Para
mim, é muito claro que essas perguntas não trazem qualquer suposto benefício
para os processos seletivos, mas de uma coisa eu tenho certeza: trazem muito
preconceito, discriminação, filtram pessoas com base em suas vidas pessoais,
escolhas e não apenas por sua capacidade ou não de executar o trabalho. Removem
novas mães com a ideia de que ela faltará para cuidar dos filhos pequenos, uma
mulher solteira com medo que ela case e engravide logo ou qualquer coisa que
possa tirar a atenção da profissional do trabalho. De novo: isso não faz
sentido. Não existe qualquer pesquisa ou dados que apontem a diferença de
produtividade entre pessoas que têm filhos, não têm ou vão ter em um futuro
próximo.
Além disso, há um
outro lado perverso do questionamento que trouxe no começo deste artigo, ele
faz com que milhares e milhares de mulheres passem por situações vexatórias e
desconfortáveis durante os processos seletivos. Já recebi centenas de relatos
das minhas leitoras, com depoimentos de como se sentiram tristes e frustradas
com essas perguntas e até mesmo indignadas com um entrevistador querendo saber
a marca do anticoncepcional que ela usa (sinistro, né?) para provar que não
estava mesmo tentando engravidar. Isso é absurdo que precisa acabar.
Se
você ainda acredita nesse mito e tem o hábito de fazer esses tipos de pergunta
em um processo seletivo, repense. Mesmo que você tenha certeza de que nunca vai
usar essas informações para prejudicar alguém, está validando e alimentando um
sistema em que a maioria irá. Experimente focar apenas no que é o mais
importante: se a pessoa tem ou não as habilidades e experiências necessárias
para o trabalho.
O
resto é mito e alimento para discriminação.
:: Artigo
originalmente publicado na revista HSM
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