segunda-feira, 22 de novembro de 2021

 

Planejar ou não planejar a carreira: eis a questão

Depois da rápida pesquisa que realizei com mais de 2.500 pessoas, tenho aqui algumas pistas sobre esta dúvida recorrente


Diz o ditado popular que “a vida é o que acontece enquanto fazemos planos”. Não é só a vida, mas a nossa carreira também. Nos últimos três anos eu venho focando (e aprendendo) muito sobre educação corporativa, dando mentorias, tocando o meu projeto chamado #lucianoresponde e, das muitas dúvidas que chegam até mim, uma recorrente é sobre planejamento da carreira. “Eu me acho um fracassado por nunca ter conseguido planejar a minha carreira”, um leitor me contou esses dias. Será? 

Para apurar essa questão, fiz uma enquete rápida no meu perfil do LinkedIn com uma pergunta simples: você planejou a sua carreira? O resultado me surpreendeu um pouco. Das quase 2600 pessoas que responderam, 31% dizem que planejaram sua carreira e 69%, não.

O que me surpreendeu? O número alto de pessoas que planejaram sua carreira. Eu tinha quase certeza que seria bem menor, por volta de dez ou vinte por cento. 

Contudo, quando comecei a ler os comentários, percebi que minha intuição não estava tão errada assim. Entre os muitos depoimentos, um que dizia “eu planejei a minha, mas nada aconteceu como eu queria”, chamou a minha atenção.

Isso joga uma luz diferente aos números. A maioria esmagadora, 69%, nunca planejou a carreira. E dos 31% que disseram que, sim, fizeram um planejamento, a coisa nem sempre andou com eles queriam. O que leva a gente a uma grande questão: eu deveria ou não planejar a minha carreira?

Planejar ou não?

A mesma pessoa que me trouxe o ponto associando fracasso a falta de planejamento, perguntou como foi a minha trajetória. E ele ficou surpreso com a resposta: nunca fiz planos detalhados. Faço parte dos 69%. 

A minha carreira foi acontecendo de forma orgânica, um dia eu vendia sapatos, no outro eu operava uma máquina e, com um misto de sorte e suor, caí no mundo da tecnologia, onde estou há 22 anos. 

Mesmo dentro desse universo, a minha carreira ainda quicou múltiplas vezes até eu me reconhecer como líder de pessoas e seguir dentro dessa linha nos últimos 15 anos. 

Eu quero dizer que não vale a pena planejar a sua carreira? Absolutamente não. Eu já vi exemplos de pessoas que fizeram isso com maestria. 

Lembro bem de um caso, um colega recém contratado na empresa ainda em um cargo júnior pediu para tomar um café comigo. Ele me contou dos seus planos para um dia virar diretor e como estava construindo o caminho para tornar aquilo uma realidade. Ele chegou lá, exatamente como tinha planejado.

O que eu quero dizer é: não sofra por não ter um planejamento. Nem todo mundo quer e nem todo mundo precisa. A vida é algo surpreendente e, para a maioria esmagadora das pessoas, o destino vai chegar sem planejamento. Para uma parte da minoria, vai chegar diferente do que tinham pensado e alguns iluminados vão conseguir trilhar exatamente o que colocaram no papel.

E tudo bem, não há certo ou errado.

Sempre é tempo de planejar

Você não ter feito o planejamento da sua carreira não quer dizer que nunca precise fazer. Sem querer ser auto-referente demais, vou usar meu caso como exemplo novamente. Apesar de eu nunca ter feito, agora, no alto dos meus 42 anos, estou começando a criar um. 

Eu adoro a minha vida como executivo em uma grande empresa de tecnologia. Eu aprendo, estou rodeado de pessoas incríveis e me sinto pleno em um ambiente corporativo. 

Contudo, como eu falei no começo deste artigo, falar e debater sobre educação corporativa é algo que claramente brilha meus olhos. Eu me vejo trabalhando com isso um dia, venho construindo o caminho há alguns anos e, agora, fiz um primeiro desenho de como isso acontecerá em um futuro próximo.

Eu não sei se o meu planejamento tardio vai funcionar, mas construir as coisas ao redor dele vão, pelo menos, me levar na direção que eu gostaria de ir. Quem sabe eu faço um outro artigo em alguns anos para dizer se ele funcionou ou não? Uma coisa eu posso dizer com certeza: mesmo que ele não funcione, vou encontrar o meu caminho. Todos vamos.

Boa carreira!

*Nota do autor: a minha editora, Gabi Teco, gentilmente me pediu para incluir esta observação para convidar você a conhecer a edição 142 da Revista HSM, que circula a partir de 15/10. O tema de capa, que fala sobre “plano multicarreira”, tem bastante conexão com o assunto deste artigo. Vale a pena conferir.


by Luciano Santos, Divã Corporativo

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 Com quem fica o seu filho pequeno?



Você é solteira? Quer ter filhos? Você é casada? Tem filhos? Com quem fica a sua filha pequena? E se ela adoecer?

Se você é mulher, eu diria que tem perto de 100% de chances de ter escutado alguma dessas perguntas em um processo seletivo. Há muita gente que torce o nariz para esse tipo de questionamento durante uma entrevista, alguns defendem dizendo que é preciso conhecer o lado pessoal do candidato e outros até declaram, em debates calorosos nas redes sociais, que é direito da empresa perguntar o que quiser para o candidato.

Eu? Bom, eu acho esse tipo de pergunta um absurdo imoral, um abuso com as profissionais que precisam passar por esse tipo de situação e fruto de uma legislação fraca que permite que um empregador faça (e pergunte) o que bem entender para recrutar profissionais. Até temos algumas leis para evitar que isso aconteça, mas na prática elas são ignoradas e entram para a categorias de “leis que não pegaram”, algo comum em nosso país.

Em uma dessas discussões calorosas que eu mencionei, um empresário alegou “precisar” conhecer melhor a candidata e por isso era necessário perguntar sobre a vida pessoal. Minha resposta para ele: sorte sua, e de muitas outras empresas que fazem isso, de estar no Brasil.

Nos Estados Unidos e em muitos outros países europeus, é expressamente proibido fazer qualquer tipo de questionamento pessoal para o candidato. Não pode perguntar idade, religião, orientação política, estado civil e, principalmente, se tem filhos e qual a dinâmica da família. A ideia é proteger o profissional de qualquer tipo de discriminação e as empresas podem ser processadas por isso – e, de fato, muitas vezes são.

Eu faço essas perguntas porque preciso conhecer melhor o candidato

A desculpa mais comum para “ter” que fazer essas perguntas é a necessidade de conhecer melhor o candidato. Se não for possível saber mais sobre ele, vamos deixar de fora informação crucial para a tomada de decisão. Eu não consigo ver qualquer sentido nessa alegação, e tenho muita experiência sobre o assunto.

Trabalho em empresas americanas há 16 anos, já entrevistei e contratei literalmente centenas de profissionais sem nunca ter feito esse tipo de pergunta. Nunca mesmo. Temos treinamento pesado para não só garantir que essas perguntas não sejam feitas, mas também orientar o candidato que não precisamos falar sobre elas se ele trouxer as informações espontaneamente.

Sabe que diferença isso fez para a qualidade dos profissionais que contratamos? Nenhuma. Ao contrário, tenho orgulho de ter participado da contratação de times incríveis, produtivos e dos melhores que eu tive o privilégio de trabalhar até hoje. Se não submeter o candidato a esse tipo de questionamento pessoal fosse empecilho para a contratação de bons profissionais, empresas como o Google, Amazon, Netflix e outros lugares do sonho para se trabalhar não teriam os times que têm.

Eu até entendo o motivo de muita gente acreditar no mito de que é preciso invadir a privacidade de uma pessoa para conhecê-la melhor antes de uma contratação, mas, quando olhamos para lugares que não praticam isso, a ideia esfarela. Ela não faz sentido algum.

Preconceito e assédio

Para mim, é muito claro que essas perguntas não trazem qualquer suposto benefício para os processos seletivos, mas de uma coisa eu tenho certeza: trazem muito preconceito, discriminação, filtram pessoas com base em suas vidas pessoais, escolhas e não apenas por sua capacidade ou não de executar o trabalho. Removem novas mães com a ideia de que ela faltará para cuidar dos filhos pequenos, uma mulher solteira com medo que ela case e engravide logo ou qualquer coisa que possa tirar a atenção da profissional do trabalho. De novo: isso não faz sentido. Não existe qualquer pesquisa ou dados que apontem a diferença de produtividade entre pessoas que têm filhos, não têm ou vão ter em um futuro próximo.

Além disso, há um outro lado perverso do questionamento que trouxe no começo deste artigo, ele faz com que milhares e milhares de mulheres passem por situações vexatórias e desconfortáveis durante os processos seletivos. Já recebi centenas de relatos das minhas leitoras, com depoimentos de como se sentiram tristes e frustradas com essas perguntas e até mesmo indignadas com um entrevistador querendo saber a marca do anticoncepcional que ela usa (sinistro, né?) para provar que não estava mesmo tentando engravidar. Isso é absurdo que precisa acabar.

Se você ainda acredita nesse mito e tem o hábito de fazer esses tipos de pergunta em um processo seletivo, repense. Mesmo que você tenha certeza de que nunca vai usar essas informações para prejudicar alguém, está validando e alimentando um sistema em que a maioria irá. Experimente focar apenas no que é o mais importante: se a pessoa tem ou não as habilidades e experiências necessárias para o trabalho.

O resto é mito e alimento para discriminação.


:: Artigo originalmente publicado na revista HSM


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 Por que ser mediano em vez de excelente também é útil no trabalho

                  Getty Images

Na nossa cultura concentrada na carreira, existe uma narrativa conhecida sobre o "superstar" do escritório. São os funcionários que se destacam pela melhor reputação e as melhores ideias; essas pessoas sempre são as primeiras da lista para aumentos salariais, promoções ou prêmios de funcionário do mês.

Nesta era do excepcional, é fácil olhar para cima e além como o único caminho para o sucesso. Se você ainda não for o funcionário com melhor desempenho do escritório, a sabedoria convencional diz que você deve lutar para chegar lá. Mas, apesar de gostarmos de pensar que somos bons no trabalho, a ampla maioria não é de trabalhadores excelentes.

Mas ser apenas competente - ou "mediano" - no trabalho não é algo ruim. Nem todo trabalhador quer ser o melhor. E, na verdade, o trabalhador mediano é essencial - talvez mais que o superstar.

Os funcionários medianos são frequentemente difamados ou até incompreendidos, segundo Paul White, psicólogo especialista na cultura do ambiente de trabalho em Kansas, nos Estados Unidos. "Pense em qualquer curva e a maioria das pessoas está em algum lugar no meio", diz ele. "A maior parte dos trabalhadores é mediana e isso é bom."

White compara com um time de futebol americano:

"Você precisa ter o melhor lançador, o melhor corredor e o melhor recebedor. Mas, se você não tiver um grupo sólido de pilares e bloqueadores, as estrelas do time não conseguem ter bom desempenho", segundo ele. "Você precisa que todos joguem para que o time seja vencedor. A importância do trabalhador intermediário não é suficientemente valorizada."

"É perfeitamente aceitável ser perfeitamente adequado"

A definição mais simples de "mediano", segundo Danielle Crough, psicóloga organizacional da Universidade de Nebraska, em Omaha, Estados Unidos, é um trabalhador que atende às expectativas - nem mais, nem menos.

E, embora algumas pessoas possam se destacar no meio do pacote e acabar apresentando melhor desempenho, muitos trabalhadores medianos, segundo Paul White, não querem estar no topo da pirâmide.

"A realidade é que muitas pessoas não querem ser estrelas", afirma ele. "Eles têm família, filhos e outras coisas acontecendo na vida. Eles não querem mais responsabilidade no trabalho. Nem tudo é sobre excelência no trabalho. Alguns subirão, alguns irão descer e outros ficarão no meio."

Mas ser intermediário, segundo Crough, não quer dizer que a carreira do funcionário se estagnou, nem que as suas habilidades pararam no tempo. "Na verdade, pode ser um indicativo de que eles atingiram seu ponto ideal", afirma ela.

E, embora a cultura profissional glorifique os superfuncionários, White explica que é perfeitamente aceitável ser perfeitamente adequado. O papel do trabalhador mediano é essencial para manter a empresa funcionando. Os funcionários medianos têm valor imenso para os empregadores, pois essas pessoas que fazem o trabalho diário possibilitam que um pequeno grupo de trabalhadores cresça e vá além.

"Os trabalhadores medianos comparecem, seguem as instruções e tentam avançar. E um funcionário como esse é precioso: eu construiria uma equipe permanente com essas pessoas", afirma ela.

Falta de reconhecimento

Mesmo que o trabalhador deseje apenas cumprir com as atribuições de um emprego, os empregadores nem sempre recompensam a permanência nesse chamado ponto ideal.

Em uma cultura de excepcionalidade, fazer o que é esperado não é considerado uma conquista. E isso é um grande problema, pois a falta de reconhecimento pode rapidamente levar alguém a sentir-se desvalorizado - até fazer com que os trabalhadores deixem os seus empregos.

"A maioria das organizações e empresas tem alguma forma de programa de reconhecimento dos funcionários", afirma White. O problema, segundo ele, é que elas tendem a homenagear um grupo de funcionários muito pequeno.

"Uma das coisas que sabemos é que esses programas de desempenho e reconhecimento tendem a atingir apenas os 10% ou 15% superiores de qualquer grupo, que são as estrelas", segundo White. Isso deixa de fora "um grande grupo intermediário - 50% ou 60%", estima ele, cujas contribuições passam sem nenhum reconhecimento, porque eles não são excepcionais.

Você não é um funcionário de destaque - ou não quer ser? Não há nenhum problema nisso e os empregadores precisam recompensar os trabalhadores medianos


"O problema real é que quase 80% das pessoas que se demitem voluntariamente mencionam falta de reconhecimento como um fator importante", segundo White. Esse número é a conclusão de um estudo do Instituto OC Tanner, que também demonstrou que 65% dos norte-americanos afirmam que não foram reconhecidos no trabalho no ano anterior à pesquisa.

Para Crough, essa falta de reconhecimento do funcionário mediano parece ser uma das causas da atual Grande Renúncia - a tendência que levou um número recorde de trabalhadores norte-americanos a deixar seus empregos durante a pandemia de covid-19.

"As pessoas não estão se sentindo valorizadas", afirma Crough. "As empresas que dizem 'olá, estamos prestando atenção, nós valorizamos você, apreciamos o que você está fazendo' são as que não estão perdendo seus funcionários. Mas, quando o seu patrão não cumprimenta você desde 2016 e um recrutador de outra empresa liga e diz 'achamos que você é ótimo e queremos você aqui', você vai se animar."

O novo significado de sucesso

Reconhecer a contribuição dos trabalhadores medianos não é bom apenas para esses próprios funcionários - é também fundamental para os empregadores. Fazer com que os funcionários medianos continuem incentivados a bordo sustenta literalmente a atividade das empresas, pois esses trabalhadores mantêm as operações do dia-a-dia funcionando.

"Nesta economia (em referência ao mercado de trabalho dos EUA), você não consegue encontrar substitutos", acrescenta White. "Por isso, manter a sua equipe é fundamental para a empresa continuar a funcionar de forma eficiente." E, para isso, as empresas precisarão mudar a forma de reconhecimento dessas pessoas e a medida para definir o que é um "bom trabalho".

Os funcionários que atendem às expectativas sem excedê-las não estão apenas fazendo o mínimo, segundo Crough. Eles estão fazendo exatamente o que se espera que elas façam e isso merece reconhecimento.

"Fazer o que se espera que você faça é muito especial", prossegue ela. "O trabalhador que é consistente e sempre comparece é muito valioso e precisamos dar a ele ainda mais crédito atualmente."

Para Crough, o desempenho médio deve também ser celebrado. Prêmios e honrarias não são apenas para os que excedem as expectativas.

"Devemos criar prêmios para atributos como desempenho constante", afirma ela. "Seria útil ter maior reconhecimento desses atributos. É como a criança na escola que ganha o prêmio de comparecimento: precisamos de uma versão desse prêmio para o ambiente de trabalho."

Além de reconhecimentos adicionais como prêmios, Crough afirma que também é importante garantir que esses trabalhadores que fornecem desempenho consistente, mesmo que inalterado, sejam reconhecidos de outras formas.

"Não vincule aumentos salariais a promoções", aconselha ela. "Continuar a aumentar salários e conceder bônus a pessoas em trabalhos intermediários é uma boa medida."

"Também falo muito aos líderes para agradecer, sem esquecer aquelas coisas que parecem ser básicas. Precisamos ser conscientes e fazer com que as pessoas saibam que recebem atenção como seres humanos e que seus esforços são reconhecidos", prossegue Crough.

Reconhecer o trabalhador mediano, para White, é uma das melhores saídas para uma empresa enfrentar a Grande Renúncia sem perder membros fundamentais da sua equipe. "As companhias e os líderes que compreendem o valor dos seus trabalhadores no dia-a-dia e dedica atenção a eles estão entre os mais bem-sucedidos", afirma ele, "não apenas do ponto de vista da rentabilidade, mas também do ponto de vista da manutenção das pessoas e de uma cultura positiva."