segunda-feira, 6 de julho de 2020

Coronavírus mudará a maneira de trabalhar?

Quem faz trabalhos de escritório está trocando blazers por pijamas e cadeiras ergonômicas pelo próprio sofá. Disseminação da covid-19 transforma a atividade profissional e mostra benefícios do trabalho remoto.

Enquanto escrevo este artigo, uso calça de moletom, faço pausas muito, muito, muito regulares. Por exemplo, para fazer café ou verificar o que há na geladeira. Venho trabalhando em casa há cerca de uma semana e, digamos, é divertido, frustrante, gratificante e irritante ‒ tudo ao mesmo tempo.
Atualmente, milhões de pessoas isoladas em suas próprias casas devem estar tendo experiências semelhantes. O coronavírus transformou o trabalho remoto numa realidade repentina. Sim, isso não é uma novidade. Startups de tecnologia, nômades digitais e novos gurus do trabalho vêm elogiando há muito seus benefícios, como o aumento de produtividade e felicidade.
Mas nem todo mundo estava exatamente ansioso para abraçar as possibilidades disponibilizadas pela tecnologia moderna.
Veja a Alemanha, por exemplo. Antes da propagação do vírus, somente cerca de um quarto das empresas permitia que pelo menos alguns de seus funcionários trabalhassem remotamente, de acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa de Emprego (IAB) da Alemanha.
O instituto também constatou que somente 20% dos funcionários faziam uso do trabalho remoto. E a maioria dos que não trabalhavam em casa, dizia preferir ir diariamente ao escritório.
Revolução do trabalho remoto?
Mas, no momento, muitos desses empregados não podem ir a seus escritórios. A Alemanha ‒ e todos os outros países afetados pelo coronavírus ‒ encontra-se em meio a um enorme experimento de trabalho remoto.
Isso levanta a questão de como a vida profissional vai continuar depois que retornarmos, tomara, a algo que se assemelhe vagamente à normalidade, pelo menos quem poderia, teoricamente, trabalhar em casa.
Vamos, simplesmente, guardar nossos laptops e voltar para o escritório? Ou as próximas semanas e meses provarão a eficácia do trabalho remoto ‒ e continuaremos a verificar o que há na geladeira e enviar e-mails de nossas cozinhas?
"Acredito realmente que isso mudará algo", disse por telefone Josephine Hofmann, do Instituto Fraunhofer de Engenharia Industrial. Segundo ela, as empresas passariam a ver os aspectos positivos de deixar os funcionários trabalharem de casa, agora que a única alternativa a isso é, basicamente, não deixá-los trabalhar.
Lições da China
Reuniões ineficientes e demoradas podem ser substituídas por um e-mail. Compromissos comerciais que exigem viagens podem ser transformados numa videoconferência.
Também após a crise, essas constatações podem permanecer, e levar as empresas a aumentarem sua infraestrutura de trabalho remoto. "Isso seria do interesse do nosso planeta, do nosso clima e de uma forma mais sustentável de trabalhar", acredita Hofmann.
Um estudo de caso na China parece, em princípio, encorajar essa mudança. A agência de viagens CTrip permitiu que alguns de seus funcionários de call center trabalhassem em casa. Um grupo de economistas mediu o impacto, constatando que eles estavam mais felizes, mais produtivos e economizavam dinheiro da empresa, reduzindo a necessidade de espaço de escritório.
Na realidade, o experimento foi tão bem-sucedido que a diretoria logo o estendeu a toda a empresa – só para descobrir que trabalho remoto não funciona para todos. Enquanto alguns podem ser bem-sucedidos, conseguindo executar tarefas após tarefas no conforto de seu próprio sofá e longe da presença sondadora de seus supervisores, outros podem se sentir abandonados. Alguns funcionários da CTrip disseram que a principal para não gostar do trabalho remoto era se sentirem sozinhos.
E isso é algo que constato: depois de uma semana trabalhando sozinho à mesa da cozinha, sinto falta da troca de ideias com meus colegas. Estamos em contato, é claro, por e-mails, mensagens de texto, telefonemas ‒ até tomamos um drinque rápido juntos depois do trabalho, num bate-papo por vídeo. Mas não é o mesmo que a avalanche espontânea de energia criativa proporcionada por um espaço compartilhado de escritório.
No futuro, o melhor de dois mundos
"A solução será trabalhar do lugar certo no momento certo", explicou via Skype Tristan Horx. Ele atua no Zukunftsinstitut, um think tank da Alemanha que pesquisa tendências futuras. Horx afirma que ambientes diferentes favorecem diferentes tipos de trabalho ‒ e os empregados estarão cada vez mais inclinados a buscar isso.
Ou seja: no futuro, os funcionários poderão realizar a partir de casa tarefas individuais que exijam muita atenção, e ir ao escritório quando precisarem trabalhar juntos em determinados projetos.
Com o mundo do trabalho já indo nessa direção, Horx afirma que a situação atual deverá acelerar essa mudança: "Quem tem muitas reuniões virtuais no momento perceberá como é melhor um processo criativo de colaboração real numa reunião 'analógica'."
Sim, o coronavírus deverá mudar a forma como trabalhamos, pois, se as empresas constatarem que podem enfrentar essa crise com seu pessoal em casa, "business as usual" não será o desafio mais difícil.

by A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
    


domingo, 5 de julho de 2020

O fim da era dos escritórios?

Há gente que já fala no fim do escritório, outros veem exagero na previsão. Mas o home office definitivamente ganhou fôlego na pandemia do novo coronavírus, e algumas mudanças podem ser duradouras.



"A centralidade do escritório acabou", tuitou recentemente o fundador e presidente do Shopify, Tobi Lütke.

Já o chefe da Google, Sundar Pichai, planeja reembolsar em até 1.000 dólares os funcionários que compraram equipamento e móveis de escritório para trabalhar de casa durante a pandemia do novo coronavírus.

Analistas afirmam que o mundo do trabalho pode estar diante de uma grande mudança. "Depois da previsão sobre a 'morte da distância', em 1997, grandes cidades prosperaram como nunca antes", diz o professor de geografia econômica Paul Cheshire, da London School of Economics. Agora elas terão que se ajustar para sobreviver, acrescenta.

Em 2018, uma pesquisa do Censo dos EUA revelou que apenas 5,3% dos americanos trabalhavam integralmente em home office.

O analista Rich McBee, presidente da empresa Riverbed, especializada em trabalho remoto, calcula que entre 15% e 20% das pessoas que trabalhavam no escritório não vão retornar depois da pandemia.

A empresa de consultoria Global Workplace Analytics estima que empregadores poderão economizar em média 11 mil dólares anuais para cada pessoa que fizer meio período de home office, principalmente por meio de aumento de produtividade, menores custos de instalações físicas, menor absentismo e rotatividade no emprego e melhor preparo para situações de emergência.

"Vamos certamente observar empresas que historicamente resistem ao home office em alguns casos reduzindo custos", comenta Mat Oakley, da agência imobiliária Savills.

Quem trabalha de home office também pode estar disposto a receber menos. A empresa de serviços de conexão Log MeIn ouviu 2.200 trabalhadores em abril, nos Estados Unidos, e descobriu que 62% deles aceitariam um corte no salário para trabalhar de casa.

Cidades mais vazias

Um aspecto central na mudança é que as cidades podem esvaziar, prédios comerciais poderão ficar abandonados e novos prédios comerciais poderão nem ser construídos. Por outro lado, a velocidade e a segurança da internet terão que aumentar.

Estudos que avaliam o impacto ambiental da mudança ainda não são conclusivos, por exemplo sobre se o maior uso de eletricidade e internet em casa seria compensado pela diminuição do uso no escritório.

O home office também cria questões de espaço em casa e o problema da sobreposição de trabalhos profissional e doméstico. "Eles são divididos de forma desigual, e as mulheres acabam sobrecarregadas. O aumento da violência doméstica durante a pandemia é um alerta bem concreto", diz o sociólogo Les Back, do Goldsmiths College, de Londres.

Outro aspecto é que a mudança certamente não virá para todos. Operários, enfermeiros, motoristas de ônibus e vários outros profissionais jamais terão a opção de fazer home office.

"A situação nas cidades já mudou. São os trabalhadores mal remunerados, frequentemente negros, que mais andam de transporte público e correm risco de contágio na pandemia, enquanto a classe média branca cuidadosamente evita ir à cidade. Penso que as cidades vão se tornar ainda mais divididas", diz Back.

O transporte público, vital para o funcionamento das grandes cidades, enfrentará um grande desafio na fase pós-epidemia, principalmente no curto prazo. "Há uma necessidade de subsídios públicos ainda maiores", observa Cheshire. Para ele, viagens de trabalho, aeroportos, centros de convenções hotéis enfrentarão dificuldades também no longo prazo.

Muitos preferem o local de trabalho

"Penso que estamos num ponto de virada. Há uma reorientação, uma recalibragem da relação espaço-tempo-vida social", diz Back."Poderemos ver profundas mudanças e algumas coisas poderão jamais ser como eram antes", acrescenta.

"Se de fato adotarmos uma abordagem de home office, há implicações claras para as telecomunicações e a internet de banda larga, e mais ainda se conurbações avançarem sobre áreas rurais", comenta a economista Rebecca Larkin.

Mas outros analistas afirmam que a ascensão do home office não vai acabar com os escritórios. "A história, e também a nossa pesquisa mais recente, mostram que o escritório não vai desaparecer tão cedo", comenta o diretor de soluções corporativas da agência imobiliária JLL Neil Murray.

"O escritório vai manter sua importância como facilitador de inovação e colaboração e também de saúde, bem-estar e produtividade dos funcionários", afirma.

Uma pesquisa da JLL diz que 58% dos trabalhadores sentem falta de seus escritórios, e esse sentimento é ainda maior entre os mais jovens.

Outra pesquisa, da empresa de arquitetura e design Gensler, afirma que apenas 12% dos trabalhadores querem trabalhar de casa em tempo integral, e 70% diz que gostaria de passar a maior parte do tempo no escritório.

"Há ampla evidência de que a concentração espacial de escritórios eleva a produtividade, considerando todos os demais aspectos. Isso vale não só na horizontal, mas também na vertical. Trabalhadores em prédios altos são mais produtivos", afirma Cheshire.



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