quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Bobo que queria ser Rei

Por Kelly C. Gallinari

João era o João-bobo da corte e, como todo bobo, vivia a viver a vida, intensamente. Sem limites, declamava palhaçadas engraçadas, astutas, grosseiras e todas, verdadeiras. O Rei ria. Ditas por um bobo, palhaçadas eram apenas palhaçadas.
Eduardo era o Rei. Declamava ordens, todas sérias e absolutas. Tinha que reger e coordenar tudo e a todos, com foco no bem comum; às vezes, incomum.
O Rei não sabia mas João-bobo não era tão bobo assim. Além de bobo, era observador e começou a prestar atenção nas decisões tomadas pelo reinado e começou a achar que nem tudo era tão engraçado assim.
Numa manhã nublada, os Cavaleiros Reais acordaram todos do vilarejo para que fossem à praça pública . Rei Eduardo queria falar e se aproximar de seu povo já que ouvira ligeiros balbúcios sobre ele. Com um rei, falou sobre os princípios de seu reinado:
“- Povo belo, meu belo povo, eis-me aqui para uma recitar os encantos de nosso reino: RESPEITO, CONFIANÇA, CUMPLICIDADE e BEM COMUM. Pelo nosso respeito mútuo e cumplicidade nas decisões, os feitos e realizações deste reinado conotam bens e realizações para com todos vocês. Agradeço a confiança e é por ela que nunca irei tolir um sequer do viver em grandiosidade. Sempre, eternamente e juntos, lutarei a pelo bem comum. Todos ou ninguém!”
O povo voltou, cada qual, para sua casa. Já ouviram discursos como estes muitas e muitas outras vezes e, como sempre, apenas ouviam. Tinham em mente que ele era o REI e desistiram que questionar. João-bobo, que já estava perdendo a graça, se escandalizou! Diferente de seus irmãos de vilarejo, alguma desconfiança estava crescendo no bobo João. As palhaçadas já não eram mais suficientes.
Nasceu, em João-bobo-sem-graça, uma idéia engraçada.
Caíra o entardercer e as pessoas já se recolhiam para suas casas. Dormia-se cedo e acordava-se ainda mais cedo. João-bobo-ainda-sem-graça distribuiu panfletos pelo vilarejo anunciando um novo pronunciamento do rei para o dia seguinte, logo ao amanhecer do sol.
João-bobo-voltando-a-ter-graça, se vestiu de rei - com uns trapos que ganhara em suas visitas ao reinado – e foi à praça pública. A praça encheu, já que se tratava do rei. E lá foi João-bobo-agora-já-com-graça:
“- Olá povo que, infelizmente, é meu. Povo que só me dá trabalho e que finjo gostar, já que sou o rei de vocês. Respeito é a última coisa que existe entre nós: vocês trabalham e eu levanto a taça da vitória. Vocês morrem de fome e eu me favoreço dos banquetes de comida e mulheres que são comidas. Fingem confiar em mim, já que não têm opções e sabem que se saírem deste vilarejo, dificilmente, encontrarão novos povoados. O jeito é se conformar mesmo, minha gente que já quase não é gente.
Sim, comos cúmplices. Da mentira que inventamos um para o outro. Eu não os conheço e vocês muito menos a mim. Eu mando e vocês obedecem. São liderados por alguém que não sabe o que lhes importa. Um grupo que não se envolve não progride. Tudo bem, o único a progredir aqui serei eu.
Todos sabemos disso mas somos proibidos, pelo nossos cargos sociais, a divulgarmos. E isso é a única coisa que temos em comum.
Eis nossos princípios. Nus e crus.”
O povo estava paralizado. Eles nunca se engajaram nas ações do rei. Sempre o ouviram. Mas apenas ouviam.
João-bobo-cheio-das-graças iria continuar o discurso mas o exército do rei verdadeiro o impediu. João-bobo foi rei por alguns instantes. E disse verdades que, infelizmente, estão longe de serem palhaçadas.
Depois de preso, João-bobo sumiu. Mas sua graça não.
Nada mudou para Rei-Eduardo, infelizmente. Continuou seu reinado com um povo de fantoche e sem graça.
A fábula do João-bobo pode ser só uma fabula. Pena que existam líderes como o Rei-Eduardo e equipes como o povo deste vilarejo. Vamos torcer para que sempre existam João-bobos.

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